Por que
pretende a Sr.ª Ministra da Educação acabar com os exames de Filosofia, no
11.º ano, já no próximo ano lectivo, sabendo que com esta atitude, fará com que os alunos se
desinteressem por esta disciplina, dado que não têm que fazer o exame?
Ocorre-me
colocar as seguintes questões: 1. a) Não é verdade que, não havendo
exames, não haverá tanto empenho por parte dos alunos pela aprendizagem das
temáticas filosóficas, passando a Filosofia a disciplina residual? b) Os
jovens não devem ocupar-se, com interesse, pelas “coisas” mais profundas da
existência humana? c) Os alunos não têm o direito a exercitar o pensamento
discursivo? d) Pretende-se criar mentes fechadas e não seres pensantes? e)
Passaremos, assim, a ser apenas seres executantes? f) Deveremos, então,
preocupar-nos somente com os planos tecnológicos e com a tecnocracia? g) Não
é importante, para a formação crítica do aluno, ser capaz de descodificar as
mensagens ardilosas que, todos os dias, assolam as mentes das nossas
crianças e jovens, através da Televisão, da Internet, e de outros meios de
comunicação? h) Os professores de Filosofia deverão passar, agora, a
leccionar temáticas relacionadas com o luxo e a usura, as vaidades e o ego,
as vanidades e banalidades “VIPianas” veiculadas pelas revistas ditas
cor-de-rosa e de telenovelas? i) Isto é, deverá a Filosofia, a partir deste
momento, alinhar no apelo ao consumismo desenfreado, a que conduz a não
reflexão sobre as coisas?
2. Noutra dimensão, não
é importante analisar, reflectir e tomar posição, de modo apaixonado,
esclarecido e interessado, sobre: a) A crise dos valores tradicionais? b) As
crises religiosas? c) O aproveitamento da ignorância religiosa? d) Os
fundamentalismos? e) O descrédito das ideologias e das políticas? f) As
constantes mutações sociais? g) As ameaças generalizadas (e consumação
terrorista) à integridade de pessoas e bens? h) Os novos problemas causados
pelo fenómeno da globalização? i) Os novos fenómenos laborais? j) As leis –
que são convenções elaboradas por alguns homens – serão para ser cumpridas
por todos ou só quem não as faz deve cumpri-las, ficando isentos do seu
cumprimento o legislador e os poderosos? k) As regras do dever serão uma
ilusão ou realidade, invenção dos homens ou expressão da vontade divina?
3. Finalmente,
questionemos, ainda: a) Pretende-se, com esta “política educativa e
cultural”, que ignoremos as raízes da nossa cultura, para que nos tornemos
seres emergentes e acéfalos? b) Ou será que ensino da Filosofia é
inquietante e inoportuno porque desenvolve o pensamento hipotético, a
reflexão, o sentido crítico, a liberdade de opção, no verdadeiro sentido da
palavra, espicaça as mentes adormecidas e, com esta prática, poder-se-á pôr
em risco interesses instalados? Diz filósofo português Álvaro Ribeiro que «O
pensamento humano só assume claridade pela reflexão filosófica.» Quem não
entende isto?
A Filosofia, de facto,
não ensina como pregar um prego numa tábua, como fazer um plano
contabilístico, como descobrir a cura para a doença que atormenta um nosso
familiar ou amigo, não respondendo às nossas angústias, consequências da
vida. Mas «A Filosofia, se não pode responder a tantos enigmas como
desejaríamos que respondesse, tem o poder, pelo menos, de fazer perguntas e
de levantar problemas, que tornam o mundo muito mais interessante e que
mostram o estranho, o maravilhoso, logo por baixo da flor da pele das
vulgaríssimas coisas do comum.» (Bertrand Russell).
Sabemos que existem
pessoas que não gostam nem acreditam na Filosofia. Estão no seu pleno
direito. Mas estes quando, ocasionalmente, têm o poder (efémero) de legislar sobre
a matéria, não têm o direito de
privar os outros da vivência da Filosofia!
Porque se há quem não acredita, «Eu acredito na Filosofia, tenho a certeza de
que de hoje em diante não há futuro senão nela. Ouçam, em tudo o resto, a
morna repetição…» (Michel Serres, Diário de Lisboa, 22.5.1981).
É preciso ter coragem
para resistir aos ataques que a Filosofia tem sido alvo, particularmente,
nas últimas duas décadas. Com efeito, «A coragem filosófica é a coragem da
razão, porque a intenção filosófica, no fim de contas, não é mais do que a
intenção racional do homem. A filosofia é a razão humana intencional,
conduzindo corajosamente a sua acção e a sua obra até ao fim das suas
capacidades.» (J. Vialatoux).
Para alguns espíritos
tidos com práticos e mesmo cultos, pelo menos a seus olhos, a Filosofia não
passa de assunto sem assunto para que lhe possam consagrar algum do seu
tempo precioso. No entanto, ficam boquiabertos, muito espantados e até
irritadiços, quando as suas certezas, ideias e evidências, que nunca lhe
despertam dúvidas, são postas em causa quando são objecto de exame
filosófico sério e sujeitas ao contraditório. Para os filósofos, os homens
que se dedicam constantemente à procura da verdade, todas as certezas são
transitórias. Como a experiência tem ensinado, não há praticamente
ideias, conceitos ou evidências que não estejam sujeitas ao escrutínio.
Todos os problemas aparentemente resolvidos, como questões políticas,
económicas, sociais ou epistemológicas são permanentemente objecto de
reanálise
Não basta que o homem
explique e classifique todos os factos e seres que conhece. Se só isto
fizesse, o homem sentir-se-ia perdido, fragmentado. O homem sente
necessidade de ligar, entre si, todos aqueles conhecimentos e seres que
conhece, tem necessidade de organizar um saber mais englobante e este só
pode acontecer se procurar as suas causas e princípios: estas são tarefas da
Filosofia. Haverá tarefa mais apaixonante, para o homem, do que a abordagem,
análise, reflexão e compreensão destes problemas? Nada há mais importante na
vida das pessoas do que tratar de assuntos que mais directamente as
implicam, como a sua vida e o que as espera. As ocorrências que mais afectam
a humanidade são a pobreza, a indigência, a doença, a guerra e a morte. Mas
a infelicidade maior advém-lhe do facto de
ignorar para que nasce, sofre e morre!
É preciso ganhar os alunos, os
jovens, todos, para a prática da autonomia do pensamento. Esta prática exige
motivação, trabalho organizado, autonomia do pensamento. (António
Pinela, Reflexões,
Novembro de 2006).
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