A identidade do EU não é
unívoca. Ou seja, em cada um de nós, seres conscientes, coexistem sempre
dois «eus»: o eu interior e o eu exterior.
Diga-se o que se disser,
ninguém é totalmente transparente, nem tal poderia ser. Há sempre um espaço
que é muito íntimo e próprio, que apenas diz respeito a cada um de nós. As
nossas sombras interiores, os pensamentos mais íntimos, os motivos das
nossas angústias, as razões dos nossos desesperos, a profundidade da nossa
tristeza, as nossas indecisões não são repartíveis, são vividas em solidão.
São pertença própria e intransmissível, mesmo que alguém nos queira ajudar.
O Eu íntimo está reservado
para a felicidade, a contradição, o sofrimento e a reflexão sobre o que há
de mais profundo na vida humana: a identidade da pessoa consigo mesma.
O eu exterior é aquele porque somos conhecidos pelos outros e faz de cada
um, o que cada um vê em nós. É por isso que não somos vistos nem
considerados por todos da mesma maneira.
Naturalmente que o eu
íntimo ou interior influencia o eu exterior e vice-versa. Alias, há uma
dialéctica regular entre os dois «eus», sem a qual não teríamos vida própria
e seríamos apenas joguetes do exterior. A simbiose desta dialéctica só é
apreendida por quem connosco priva muito proximamente.
O EU, aquele que faz a
síntese entre os dois «eus» tem múltiplas características. Falarei apenas de
duas: a resistência à mudança e a indecisão.
Não é fácil mudar… Não é
fácil mudar de emprego, como não é fácil mudar de situação ou de atitudes. O
homem é um animal de hábitos, que se vão enraizando, tornando-se costumes.
No entanto, sem mudança não há avanços, e num processo de mudança, temos que
estar preparados, na medida em que haverá sempre ganhos e perdas.
Quem já alguma vez mudou,
na sua vida, seja de emprego, nas suas atitudes ou de situação sabe isso
muito bem: que a mudança trará sempre ganhos e perdas. É inevitável.
Mas porque mudam as pessoas? Porque a vida, em si, é uma constante mudança.
Tudo muda: o novo de ontem, é o velho hoje; a alegria que transbordava em
nosso peito, por uma qualquer razão, deixou de pulsar, e agora estamos
tristes; a resistência física que um dia tivemos transformou-se e vai
fraquejando; a capacidade de trabalho que era forte vai diminuindo; o Outono
substitui a Primavera, e os dias tornam-se mais cinzentos e tristes.
Tudo muda.
Sendo a mudança um
imperativo da vida, porque resistimos tanto a ela e não tomamos as decisões
que nos possam trazer outro amanhã, outro alento, outras vivências, outro
olhar?
A decisão é (deverá ser) o
resultado de um processo reflexivo e solitário, porque é o encontro do eu
interior com o eu exterior. Este resultado, para produzir
eficácia, deverá ser conhecido. Ora, o que ocorre muitas vezes, com os seres
humanos, é que a decisão é tomada interiormente, mas não o é exteriorizada,
logo, deixa de ter o sentido prático pretendido. E é esta aparente
incongruência que perturba.
Mas há vida para além de
cada um de nós, há teias cerzidas no tempo, há compromissos,
responsabilidades que paulatinamente se assumem…
É por isso que nem sempre
tomamos as decisões no momento oportuno, mesmo que tal comportamento nos
traga amargura, mal-estar, perda, sofrimento, dor. São as contradições da
vida. (António
Pinela, Reflexões, Agosto de 2005)).
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