O relacionamento
humano não é fácil. É mesmo muito difícil. No entanto, a vida humana não
poderia ser vivida, nem seria humana, sem nos relacionarmos uns com os
outros.
Para que a nossa
vida tenha sentido, as vivências relacionais são múltiplas: relações
familiares, de vizinhança, de trabalho, sociais, de amizade, amorosas,
ocasionais… Que relação privilegiar? Todas elas contribuem para o
equilíbrio racional e emocional da criatura humana.
Contudo, neste
jogo relacional ocorrem múltiplos conflitos. Aliás, o conflito é parte
integrante do nosso crescimento intelectual e psicológico. O conflito
ocorre em qualquer dos tipos de relação: na família, na vizinhança, no
trabalho, socialmente, na amizade, no amor, connosco próprio.
Não é de espantar
que surja o conflito. Ele é inevitável, desejável e até saudável. Se não
há conflito, não há diferença, há monotonia. Se não há conflito, não há
afirmação, há mimetismo. Se não há conflito, não há liberdade, há
obediência…
Todavia, após o
conflito, passamos por momentos dolorosos, por vezes muito dolorosos.
Estes momentos criam-nos dissabores, ódios, rancores, angústias,
desamores. Estados de alma incontornáveis porque passa o ser humano.
Então, o conflito cria a dor.
Como não podemos
viver em permanente conflito, temo que o exorcizar, o que nem sempre é
fácil. Como fazê-lo: Procurando um parente ou um amigo, um psicólogo ou
um sacerdote, que nos possa ouvir? Quase sempre procuramos um amigo. Não
queremos incomodar um familiar, receando que ele não nos possa
compreender, dada a nossa proximidade. O amigo é quase sempre a opção.
No entanto, dizia a minha avó materna para uma das suas netas: «Filha tu
nunca contes// o teu segredo a ninguém// porque uma amiga tem amigas//
outra amiga, amigas tem», e lá se vai o desabafo, a angústia ou o
segredo.
Mas confiamos no
nosso amigo. Nós sabemos quem é o nosso amigo, porque o amigo faz a
diferença. Reflectindo sobre a amizade, diremos que os amigos são de
vários tipos: há «os amigos da onça», o oportunista – há por aí tantos!
O amigo interesseiro, o amigo que se serve da nossa amizade para
alcançar algum objectivo, o dito amigo ocasional: «apresento-te um amigo
que conheci ontem». Espantoso! Mas o amigo existe, sim.
Quem são os nossos
amigos? Os meus leitores que me desculpem a franqueza, mas cada um de
nós, seres concretos, não temos muitos amigos. Uma dezena, cinco, três,
dois…
O amigo, como
disse acima, faz a diferença, é leal e honesto connosco. É aquele que
nos diz tudo: o que queremos ouvir e o que não queremos ouvir. Não nos
engana. Quem nos engana é o falso amigo, o oportunista. Este, conhecendo
a nossa psicologia, os nossos gostos, desejos e fraquezas, elogia-nos,
diz que somos o máximo, os melhores; diz que fomos injustiçados, quando
sabe que, eventualmente, naquele caso não temos razão. E, convencidos da
sua amizade, caímos na ratoeira.
Às vezes, não
apreciamos muito a franqueza de um amigo. Até dizemos, para nós
próprios, «e és tu meu amigo!» Mas depois, passado o momento do choque,
reconhecemos que ele foi sincero. Todavia, existem momentos em que a
franqueza não é bem recebida. Ainda que atinadas, nem sempre estamos na
disposição ou temos capacidade psicológica para receber as suas
palavras. Mas o amigo compreende isso, porque está disponível para a
desconfiança, sem produzir comentário. Este é o nosso amigo.
Os amigos
desempenham um papel de grande importância na nossa vida, nas suas
diversas dimensões, nomeadamente nas nossas crises, que são muitas.
Uma conversa
franca com um amigo é uma forma de terapia relacional. Aliás, o amigo
que funciona como terapeuta, figura rara, mas existe, é aquele a quem
confiamos as nossas amarguras, as angústias, os problemas que nos
afectam. É aquele que está sempre disponível para nos ouvir; fala pouco,
não dá conselhos, entende-nos. Ele não nos oferece a solução, mas
inspiram-nos confiança e, mais do que isto, dá-nos o seu ombro para que
nele possamos carpir as nossas mágoas, porque sabe ouvir. É muito
importante saber ouvir o outro. Esta capacidade permite que sejamos
capazes de nos colocar no lugar do outro. Não é difícil, basta que
sejamos, de facto, amigos. É bom ter um amigo.
As palavras do
amigo podem não resolver o nosso problema, mas são um lenitivo poderoso
e organizador do pensamento de quem sofre, que está em turbilhão. De um
amigo espera-se desprendimento, compreensão do sofrimento alheio,
consideração e sensibilidade, e que saiba ouvir os lamentos sem censura.
(António Pinela, Reflexões, Maio de 2005) |