Vivemos num tempo em que o
tempo parece ter menos duração: “os séculos parecem já não ter cem
anos”, dizia alguém. Tudo flúi em velocidade quase imperceptível. O que
tínhamos ontem por certo, já se nos afigura hoje como duvidoso; o que
afirmamos e fazemos no presente será posto em dúvida no futuro; de tal sorte
assim é, que, amiúde, tomamos o que não é pelo que é, o falso convencimento
pela consciência, o não-saber pelo saber... Ou seja, deixamo-nos conduzir
pela “lei do menor esforço”, a “informação” que desinforma, a decisão
imatura, a prática irreflectida; isto é, não raro, aderimos até mesmo ao que
não queremos.
E se é assim, urge mudar o
rumo da nossa atitude perante a vida, o conhecimento, os valores,
para uma atitude de pensamento, de meditação, de
interrogação, com vista à apreensão “clara e distinta” dos seres,
valores e conhecimento, sobre que incide a nossa atenção. Se esta é a
atitude mais consentânea com a praxis humana, que valor poderá ter aquela
velha pergunta céptica que diz: “para que vale esse esforço intelectual, se
tudo é mais fácil e tranquilo, quando não interrogamos o que não sabemos”,
ou julgamos não saber, ou não queremos saber?
Esta é a prática que
observamos por aí: Não questionar nada nem ninguém, não vá a inquirição
ofender, nos seus pergaminhos, a quem se dirige; é a atitude mais cómoda
deixar tudo na mesma, desde que esta circunstância sirva a quem deveria
questionar; é uma atitude cómoda, oportunista, mas cobarde. Cómoda, porque
desta forma o indivíduo que deveria colocar questões não se submete à ira do
chefe, que tem sempre a última palavra. Oportunista, porque assim não põe em
risco o seu status quo. Cobarde, porque gostaria de ser capaz de
enfrentar os outros que ditam as regras, mas lhe falta a coragem, ou, ou a
independência intelectual, ou a capacidade de afirmação, ou, simplesmente,
porque é mais fácil seguir um guia, mesmo que a contra-gosto, ou por
sobrevivência!
Esta é a atitude que
queremos ver banida das consciências activas, a atitude de menoridade. O
Homem consciente da sua atitude, respeitador de si próprio e dos outros,
deve olhar horizontalmente e não de modo oblíquo.
A atitude aqui exposta é uma
atitude crítica e reflexiva sobre todos os fenómenos que ocorrem, e
contrapõe-se àquela atitude habitual que é característica de muitos, que
aceitam quase tudo passiva e obedientemente.
A par desta obediência cega,
seguidista e desconfortável, na vida do quotidiano raramente se cuida de
saber se o que vemos e ouvimos é, objectivamente, o que vemos e
ouvimos: “ouvi dizer que...”, “disseram-me que...”, “se ele disse...”!, é
frequentemente a única fonte de informação de que alguns dispõem. Quantos
“conhecimentos” errados não foram (e são) transmitidos, por esta via, de
geração em geração, sem a certificação científica, mas que por força do
hábito se tornaram “verdades” indiscutíveis»?
Bertrand Russell aconselha
que sejamos mais interrogativos; enquanto que, dirá Descartes, perante os
acontecimentos do mundo e da vida, é preciso aprender a distinguir o
verdadeiro do falso, pela análise e reflexão investigativa, própria da
atitude do homem consciente.
Se retomo esta reflexão é
porque, efectivamente, é público e notório o estado de não pensamento que se
vive no nosso tempo. Hoje vive-se para o olhar, mas não para o ver. Ver
exige mais de nós. Exige que se veja para além do olhar superficial “telenovelesco”.
Ver é uma olhar penetrante, é um olhar dentro de..., é ver o que está para
além das aparências, das facilidades e falsidades, das arrogâncias e
vaidades, e do que escondem as incompetências. (António
Pinela,
Reflexões,
Fevereiro de 2002).
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