Existem qualidades que são desejáveis, como por exemplo,
quando gostamos de algo, um objecto que pela sua beleza o escolhemos em
detrimento de outros; ou quando achamos bela a pessoa amada. Estamos a falar
de valores com outro sentido, o sentido do gosto, do belo. Por
outro lado, todo o ser humano de bom senso, não egoísta, é capaz de
reconhecer as boas acções, a verticalidade, a bondade dos outros. Falamos,
neste caso, de uma pessoa de alto valor moral.
Como se verifica, a questão dos valores não é apenas um
problema filosófico. Com efeito, surge para cada um de nós, com uma acuidade
extrema, toda a vez que se torna necessário enfrentar uma dada situação.
Cada pessoa adopta determinada atitude em face dos problemas políticos,
sociais e ideológicos e, consequentemente, diante dos valores éticos,
estéticos, religiosos, etc. Porquanto, cada indivíduo defronta-se,
implicitamente, com o problema do sentido da vida e, de modo mais geral, com
o problema dos valores. A realização de si, a necessidade para o indivíduo
de se integrar na colectividade, as exigências do eu, o desejo de se
realizar como pessoa visível, e às vezes até para dar nas vistas, são
factos antropológicos e individuais a que o ser humano não escapa, embora se
façam acentuar mais exageradamente em algumas personalidades complexadas,
devido a problemas de ordem física ou psicológica. E assim, cada ser humano
manifesta a sua liberdade ao realizar ou não os valores, sem dar-se, a si
próprio, a
ilusão de impor os seus próprios valores aos outros e à sociedade. Aliás, os
valores não se impõem por particulares.
2. As opões valorativas. A vida humana, a cada
momento, é o resultado ou a soma de todas as possibilidades conseguidas:
possibilidades de optar, de decidir, de fazer, etc. E à medida que vamos
preferindo opções em detrimento de outras, valores em detrimento de outros,
vamos também orientando a nossa vida segundo determinados parâmetros e, com
isso, abandonando outras possibilidades, que nunca chegaremos a saber se
seriam melhores ou piores, enquanto desta forma vamos limitando as
possibilidades futuras.
O nosso campo de acção, à medida que a vida fluí, vai
estreitando-se cada vez mais. A nossa liberdade actual está naturalmente condicionada pelo
uso que fizemos da nossa liberdade passada, que por sua vez limita a
liberdade futura. Um acto de liberdade presente é um compromisso com o
futuro. A liberdade não é uma abstracção, é uma prática. É uma prática que
se reflecte em toda a nossa vida. Desta feita, comprometido pelas suas
opções passadas, pelas suas paixões e orientações de vida, pela sua educação
e cultura, pelo modo como vê a vida e o mundo, mas também pela sua
constituição física e psicológica, o homem está cada vez mais limitado na
sua acção. E mais limitado está aquele que se julga para além dos outros,
porque não compreendeu nada do outro nem da vida. Com efeito, o homem está
limitado por várias condicionantes que, em conjunto, condicionam a sua
situação. E como o homem está sempre em situação, e porque cada situação
está limitada por um conjunto de condicionantes, já não posso alterar a
minha situação actual, porque não posso alterar as situações que a
antecederam. E, não raras vezes, nem o arrependimento nos pode dissolver
a intranquilidade devida a opções incorrectas que tomámos. O que
quer dizer que a minha vida hoje poderia ser outra se tivessem sido
outras as opções, outras as vivências, outras as condicionantes, outras as
situações.
3. Limites da liberdade. «O homem está condenado a
ser livre», diz Sartre. De facto o homem é livre no seu querer e actuar, mas
ele não é absolutamente livre sem limites nem restrições. Cada um vive numa
situação única e concreta da sua existência, traz consigo como herança
determinadas aptidões espirituais e corporais. Desde a infância está marcado
pelo meio que o rodeia, pelas influências da educação, pelo ambiente
espiritual, ético, religioso e ideológico em que cresce e se desenvolve;
vive em determinadas circunstâncias nacionais, sociais, políticas e
culturais que o marcam. Em todos estes casos está restringida a nossa
liberdade: com a limitação da nossa existência finita e singular, do nosso
conhecimento finito e sempre incompleto e da nossa vontade finita e reduzida a
um estreito campo de acção. Tudo isto se conjuga para que a liberdade do
homem só possa ser uma liberdade condicionada e limitada.
A autêntica liberdade, aquela que cada um vive, começa no
momento em que somos capazes de entender que a minha liberdade pode e
deve coexistir com a liberdade do outro. Convém não esquecer nunca
que nós só somos porque existe o outro, os outros. Sem o outro o eu não
existe, é um fantasma navegante, que ainda não é ser, mas está
ignorantemente convencido que o é. A liberdade absoluta, do quero, posso e
mando, só existe em espíritos míticos, na mente daqueles que se julgam seres
superiores, cujo destino lhes terá sido traçado por um Deus maior!
Ora, a liberdade não é um objecto de que nos possamos
apropriar de uma vez para sempre. A liberdade humana não é, de forma alguma,
uma verdade eterna, nem uma posse intemporal, é pelo contrário uma verdade
temporal, uma conquista sempre nova, que cada homem persegue sem nunca ter a
certeza de ter atingido a sua plenitude. Quer isto dizer simplesmente que os
actos dos homens de boa fé têm como último significado a procura da
liberdade enquanto tal. E ao querermos a liberdade, descobrimos que ela
depende inteiramente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros
depende da nossa. (António Pinela, Reflexões,