Analisar
o pensamento do Santos Agostinho, mesmo que a análise se limite ao
diálogo De beata uita, é uma tarefa muito interessante, mas, ao
mesmo tempo, nada fácil. A leitura do Diálogo sugere-nos, com
frequência, outras leituras do próprio autor, como por exemplo De
Ordine, Contra Académicos e Confissões. No entanto,
tive que fazer opções quanto à metodologia a seguir: ler ou reler outros
textos de Agostinho que me ajudariam a compreender os conteúdos do
Diálogo, mas que, por certo, me influenciariam na sua interpretação,
ou reflectir sobre De beata uita a partir do próprio texto? Tendo
em conta os objectivos do seminário e as orientações recebidas, optei
pela segunda hipótese, por duas razões: a primeira, porque este
Diálogo vale por si mesmo e a hermenêutica do texto não será
influenciada por outras leituras, embora, como é óbvio, eu tenha
sofrido, no sentido positivo, influências decorrentes dos debates
desenvolvidos no Seminário de Mestrado, que muito me ajudaram; a segunda
razão prende-se com o facto de esta ser para mim uma experiência nova,
proceder à análise integral de um texto, com o objectivo de o
interpretar e escrever o resultado da própria reflexão. Neste sentido,
esforçar-me-ei, tanto quanto me for possível, por apreender a mensagem
que Santo Agostinho transmite, embora tenha plena consciência de que não
conseguirei esgotar as tendências abordadas por Agostinho. Pois, o que
proponho com a minha reflexão é tão só uma leitura do texto de entre
outras possíveis. Consequentemente, na perspectiva de melhor alcançar o
sentido do tema que Agostinho propõe, seguirei a sua orientação
pedagógica, isto é, não me desviarei muito da ordem sequencial do
Diálogo.
A
abordagem do Diálogo Sobre a Felicidade, de Santo Agostinho, tem
por objectivo analisar e compreender o modo como o Santo abandonou uma
vida, que considerava indigna, e se dirigiu para outra, a vida virtuosa,
por meio do conhecimento de Deus. Por conseguinte, o presente trabalho
centra-se mais concretamente num período muito particular da vida de
Agostinho e pode ser datado. É a época em que ele parte com algumas
familiares e amigos para Cassicíaco.
O meu
interesse pelo estudo do Diálogo de Agostinho deriva do facto de
me interessar pela problemática da felicidade. Não é verdade que todos
(cada um a seu modo) queremos ser felizes? É o que pensa Agostinho, com
o qual estou totalmente de acordo, embora ele tenha escrito este belo
livro em 386.
Santo
Agostinho procurou e encontrou a felicidade em Deus, outros encontrarão aquele estado espiritual em outros objectivos. Santo Agostinho
não prejudicou ninguém com a sua escolha; poder-se-á dizer o mesmo de
outros que aspiram à felicidade? Uma olhadela pelo que se passa à nossa
volta dir-nos-á que não.
Mas
voltemos ao texto De beata uita. A sua leitura como que nos
transporta para o mundo de Agostinho, isto é, para o mundo que ele
descreve consubstanciado na sua vivência e que nos leva a imaginar uma
personalidade atractiva, possuída de um coração que pulsa ao ritmo da
vida que quer viver, mas que também se preocupa com os outros. Por isso,
indaga a verdade, não pelo simples facto de a procurar, mas porque a
ama, do mesmo modo se interessa pela vida feliz, porque quer ser feliz.
Devido a
grandiosidade do assunto, estou consciente de que a abordagem que faço
do texto de Agostinho não é exaustiva, não só por eventual falta de
capacidade interpretativa do autor, como também pela riqueza de
conteúdos e pela abundância de imagens que Agostinho imprime à obra.
Assim, a divisão do trabalho em quatro capítulos não tem outro sentido
senão o de aproximar conteúdos e, por esta forma, conseguir uma melhor
compreensão da beata uita, segundo Agostinho. |