A esperança é um
daqueles temas que tem sido pouco tratado entre nós, muito
menos, ainda, tem havido a preocupação de observar em que se
fundamenta. No entanto, ela é permanentemente evocada por todos
nós. Se tudo nos corre bem, diremos: «Eu tinha a esperança de
que assim seria». Se as coisas não vão pelo melhor, também não
desistimos: «Tenho esperança de que da próxima vez é que é!»
Gabriel Marcel fala-nos destas questões. Procura esclarecer o
sentido da esperança, em que se fundamenta e qual a sua
eficácia.
Gabriel Marcel faz parte de
uma geração de filósofos, cuja especulação filosófica tem como ponto de
partida a sua própria experiência pessoal. Ele recusa conceber a
vida enquadrada num sistema, porque, segundo ele, não existem sistemas
de vida, mas unicamente sistemas de pensamento. Com efeito, não é
sensato pretender enquadrar o ser humano, com todas as suas fraquezas,
vícios e virtudes, vontades e particularidades, em sistemas
predeterminados.
Gabriel Marcel está plenamente convencido de que só no quadro de
uma filosofia concreta é possível pensar e compreender o homem, mas o
homem das vivências reais, aquelas que cada um vive.
Anti-intelectualista convicto, interessa-lhe simplesmente o ser concreto
e individual. O filósofo é, aliás, hostil à racionalização e à
conceptualização da vida, uma vez que estas «faculdades» descambam
facilmente para a generalização e, consequentemente, para o plano do
abstracto. E o filósofo, escreve ele, só pode contribuir para salvar o
homem de si mesmo, mostrando sem piedade nem descanso as devastações
causadas pelo espírito de abstracção.
A metodologia marceliana
consiste, por conseguinte, em irmos ao encontro «do nosso próprio eu» e
apreender o que há de mais original e pessoal em nós, no sentido de
compreendermos o ser que somos enquanto estamos em situação, enquanto
vivemos cada situação. É este percurso reflexivo que permite descobrir o
sentido e o valor filosófico da vida.
A experiência pessoal e
concreta, aquela que mais preocupações nos traz, podemos, assim,
traduzi-la pelas situações de cativeiro por que passa o ser humano, como
são as doenças, a perda de um familiar, da liberdade ou de outras
contrariedades da vida. Por tudo isto, o homem está sujeito a
desesperar.
No entanto, e apesar de
todos os obstáculos, o homem tem uma enorme capacidade de renovação da
esperança. Com efeito, esta é, ao mesmo tempo, uma atitude espiritual
perante o conhecimento das situações dramáticas e uma resposta a essas
mesmas situações: é uma atitude espiritual, na medida em que o
homem de esperança vive em estado de disponibilidade e de crença na
possibilidade da superação daquelas situações; é uma resposta,
porque não se deixa vencer pelo quadro desesperante em que está
envolvido. É esta crença na esperança que faz com que o homem seja capaz
de restaurar a integridade que, não raro, julga perdida.
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